terça-feira, 14 de abril de 2009

Raio- X de Gemária Sampaio


Nasci de uma gente antiga e arcaica, minha educação foi rígida tanto em casa quanto no colégio de freiras.
Mas não foi tão ruim ser filha de pais extremamente cuidadosos, o tempo todo demonstravam amor mas nunca se esqueciam de cobrar a disciplina, a verdade e a coragem.
Meu pai tinha como hobby a pintura, os desenhos, escrevia letras de músicas e amava fotografia.
A minha paixão pela música clássica aconteceu no cinema, o meu pai me levava para almoçar sempre aos domingos, após o almoço, "cinema". Chegávamos 30 minutos antes do filme começar para que eu as ouvisse. Eu sentia que aquele som entrava em mim e me fazia muito bem, descobri então, que a música me completava, hoje eu não me vejo vivendo sem ela.
Nos desenhos que eu assistia quando criança, também tinham na sua trilha sonora músicas instrumentais clássicas, tem um toque cultural nos desenhos infantis mais antigos, algumas pessoas nem reparam este pequeno detalhe.
A minha mãe era professora de educação física, violinista e cantava no coral da cidade, elegante e muito independente para a época, ela sentia que o tempo voava, portanto não parava de me aconselhar achando que eu me transformaria numa mulher de uma hora para outra.
Desde pequena eu queria receber de presente, livros e discos (LPs ou compactos) eu adorava cantar com o meu pai as músicas da composição dele, e cultivava o amor por alguns cantores e compositores, adorava escutar as histórias que o meu pai inventava e também os casos verídicos sobre os parentes e os amigos dele, eu ria muito ou me emocionava ao ouvi-los.
Eu sempre vivi rodeada de gente mais velha, meu avô João não me tratava como criança, mas como aprendiz. Ele ficava horas comigo dentro do estúdio fotográfico dele, lá ele me ensinava as técnicas da revelação, eu ficava encantada com todos aqueles produtos químicos, os meus olhos ficavam fixados na transformação, as fotos apareciam lentamente, e arte do meu avô era revelada sob os meus olhos. Era intrigante ver as fotos no varal do estúdio presas com pregadores de roupa, na porta de entrada do estúdio uma lâmpada vermelha era acesa indicando que estávamos intretidos no trabalho, dentro dele uma outra, pois qualquer claridade arruinaria a revelação e sob a luz vermelha se fazia toda aquela magia.
Me lembro de um tempo onde existia a " roupa de domingo", aquela que só podíamos colocar em ocasiões especiais ou ir à missa. Eu tinha uma costureira (D.Santa) que me fazia 1 vestido toda semana e eu adorava conversar com ela sobre moda e penteados, daí o meu lado extremamente feminino.
Eu lembro que fui ensinada a obedecer sem que os meus pais falassem uma só palavra, os olhos dos meus pais gritavam o que eles queriam dizer para mim.
A minha mania por sapatos veio da minha mãe, ela fazia com que eu experimentasse muitos modelos, e na dúvida ela sempre dizia: _ Leva todos então !!!
E assim foram com as minhas roupas também, mas estranhamente não sou compulsiva, hoje opto por peças clássicas ou casuais sem nenhum exagero.
Eu fui muito mimada, mas sempre cobraram de mim a tal responsabilidade, eles até abusaram da confiança que tinham por mim, deixaram que eu dirigisse com apenas 15 anos, e por falar nisso estou indignada, depois de tanto tempo dirigindo recebi a minha primeira multa aos 45 anos na semana passada. Que ódio mortal do policial e de mim.
Eu não tive uma infância comum, nunca gostei de bonecas e nem de brincar de casinha, eu tinha ojeriza só de pensar que eu faria comidinhas na brincadeira, me dava um tremor interno quando me convidavam para ser a "mamãe".
Eu sempre quis brincar de bancária, aeromoça, viajar nas naves espaciais, pilotar carros de corrida, atriz de teatro, diretora de cinema, fazer alta costura e fotografar.

Eu tinha um balanço no quintal da minha casa, num enorme pé de manga, lá era o lugar onde eu relaxava e viajava o mundo todo na minha imaginação. Ali eu era quem eu queria ser.
A minha adolescência foi maravilhosa, comecei trabalhar como modelo publicitário aos 15 anos, descobri que eu tinha mais uma paixão, trabalhar e ganhar o meu próprio dinheiro.
Comprei o meu primeiro carro, viajei pelo Brasil inteiro, fiz planos e mais planos, concretizei alguns e abandonei outros pelo caminho rumo a maturidade.
Quando eu cresci queria uma profissão que me desse liberdade, eu queria ser arqueóloga, mas nada disso aconteceu, tudo foi por água a baixo por conta de um tempo obscuro na minha vida.
Anos depois e outra vez com as rédeas nas minhas mãos, consegui o controle do meu tempo e segui o meu próprio caminho, houve muitos obstáculos na minha vida e eles me impediram de optar por uma carreira aventureira.
Não restou outra opção, fiz uma faculdade comum e sem aventuras, terminei o Direito, mas não era o que eu queria, curiosa sobre o mundo místico resolvi ir fundo no assunto e novamente me formei, fiz Terapia Holística ela abre um grande leque, e tem vários cursos paralelos, nem vou enumerar aqui todas as especializações.
São tantas "pia" cromo terapia, aromo terapia, musico terapia,terapias ortomoleculares e assim vai...Mudei o meu padrão de pensamento, a minha forma de agir e coloquei mais tolerância nas minhas atitudes.Mudei também a minha casa e a minha vida, fui por um outro caminho e ainda estou nele, o caminho da tranquilidade.
Eu descobri que posso viver como eu quero, com quem eu quero, num ritmo equilibrado e indo de encontro ao meu bem estar. Eu quero a calma da noite, o cheiro de incenso no ar, o balanço da rede. Eu quero sentir orgulho de ter construido a minha paz.
A minha vida está pautada no mundo espiritual e quem diria... uma menina mimada criada com os olhos voltados para o materialismo, hoje uma mulher que canta mantras, faz meditação, cuida das flores , pinta, escreve e cozinha aproveitando a alquimia que a culinária oferece.
Sou espiritualizada por opção mas moderna pela evolução, a vida de mulher moderna é complicada, com muitos detalhes que se relacionam e que deixariam nossa bisavó cansada só de pensar.Esse negócio de ser multi-facetada (a mulher de hoje é esposa, amante, mãe, profissional bem sucedida, tem dentes brancos, celulite sob controle, gosta de programar a sua própria vida, e ainda comanda uma família com os pés nas costas.Olha, ser mulher não é fácil, pra ser mulher tem que ser muito homem.
Eu não sou uma mulher cheia de coisinhas, florzinhas ou romântica de carteirinha, acho isso tudo muito chato, mas cada um com o seu cada um, não é?
Sou de luta, de fibra e raramente paro para chorar, eu choro de raiva, choro muito mesmo.
Eu sou cheia de defeitos, tenho alguns preconceitos , alguns erros, mesmo assim eu não dou o direito para ninguém contesta-los. Faço as minhas regras e o meu jogo e os meus jogadores terão a garantia de que aqui o jogo não será nada fácil, mas 100% honesto.
Eu não faço a mínima questão de ser uma super mulher, não estou querendo homenagens e nem medalhas, não dá para ser eficiente 24 horas por dia.
Aquela menina cresceu e quer viver inebriada com o seu passado cheio de classe, mas com os pés cravado no futuro, ainda cheia de planos mesmo que alguns se percam pelo caminho.
De uma coisa eu não abro mão, quero estar sempre agarradinha na Dona Felicidade.

Por Gemária Sampaio

3 comentários:

  1. não canso de me impressionar com a força que você tem!

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  2. Gemária,
    Fico felíz por conhecer nosso Litoral pessoalmente, mas feliz ainda por você ser uma pessoa especial... Especial no sentido de ser diferente... Diferente no sentido de gostar de livros, de escrever e por ter uma vida como você mesma diz pautada no mundo espiritual... Você é uma mulher iluminada!!!... Parabéns pelo Blog o qual me tornei seguidor...É de mulheres como você que o mundo precisa!... Peço lhe licença para divulgar seu Blog no meu usando o seu Raio-X. Um abraço carinhoso!!!

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  3. Adoro como escreves.. adoro quando despe-se com tuas palavras, desnudando teu íntimo e revelando-se tão ou ainda mais bela que és exteriormente.
    Um beijo.

    André

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